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sábado, 30 de abril de 2016

Política de fato - Parte 2


Hanna Arendt nascida na Alemanha, de familia judaíca, estudou filosofia em Berlin com Heideggger e Jaspers. Na segunda guerra refugiou-se nos Estados Unidos, onde lecionou na New School for Social Research. Vejamos um trecho de sua obra póstuma, O Que é Política?

O Preconceito contra a política e o que é de fato politica hoje.

O perigo é a coisa política desaparecer do mundo. Mas os preconceitos se antecipam; 'Jogam fora a criança junto com a água do banho', confundem aquilo que seria o fim da política com a política em si, e apresentam aquilo que seria uma catástrofe como inerente à própria natureza da política e sendo, por conseguinte, inevitável.



Por trás dos preconceitos contra a política, estão hoje em dia, ou seja, desde a invenção da bomba atômica, o medo da humanidade poder varrer-se da face da terra por meio da política e dos meios de violência colocados à sua disposição, e a esperança da humanidade ter juízo e, em vez de eliminar a si mesma, eliminar a política - através de um governo mundial que transforme o Estado numa máquina administrativa, liquide de maneira burocrática os conflitos políticos e substitua os exércitos por tropas da polícia.

Na  verdade essa esperança é totalmente utópica quando se entende a política em geral como uma relação entre dominadores e dominados. Sob tal ponto de vista, conseguiríamos, em lugar da abolição da política, uma forma de dominação desta política ampliada ao extremo, na qual o abismo entre dominadores e dominados assumiria dimensões tão gigantescas que não seria mais possível nenhuma rebelião, muito menos alguma forma de controle dos dominadores pelos dominados. (...)

Mas, se se entende por político o âmbito mundial no qual os homens se apresentam sobretudo como atuantes, conferindo aos assuntos mundanos uma durabilidade que em geral não lhes é característica, então essa esperança não se torna nem um pouco utópica. Na História, conseguiu-se frequentemente varrer do mapa o homem enquanto ser atuante, mas não em escala mundial, porém, se for para manter o movimento em impulso, deve cair mesmo. O que não pode servir para acalmar nossas preocupações ao constatarmos que, nas democracias de massa, sem nenhum terror e de modo quase espontâneo, por um lado toma vulto uma impotência do homem e por outro aparece um processo similar de consumir e esquecer, como se girando em torno de sim mesmo de forma contínua, embora esses fenômenos continuem restritos, no mundo livre e não arbitrário, à coisa política em seu sentido mais literal e à coisa econômica.

(...)

Mas o principal ponto do preconceito corrente contra a política é a fuga da impotência, o desesperado desejo de ser livre na capacidade de agir, outrora preconceito e privilégio de uma pequena camada que como Lord Acton, achava que o poder corrompe e a posse do poder absoluto corrompe em absoluto. 

O fato dessa condenação do poder corresponder por inteiro aos desejos ainda inarticulados das massas não foi visto por ninguém com tanta clareza como Nietzsche, em sua tentativa de reabilitar o poder - se bem que ele também confundisse, ou seja identificasse, bem ao espírito da época, o poder impossível de um indivíduo ter, visto ele surgir somente pelo agir em conjunto de muitos, com a força cuja posse qualquer pessoa pode deter. (ARENDT, 1998, p. 25 a 28).

Cláudio Albano.