Capas


quarta-feira, 7 de maio de 2014

D’ARTAGNAN, O FILÓSOFO

Não era o que poderia se chamar de uma figura popular, mas estava um pouco além do anonimato. Seu nome era João D’Artagnan, mas era mais conhecido como D’Artagnan, o Filósofo. O típico personagem de crônicas engraçadas.  Rapaz universitário, cursando Letras, magro, óculos de grau, e tênis All Star azul rasgado. Era consumidor inveterado de livros e gibis, indo dos mangás a Shakespeare, das antigas fotonovelas em papel jornal colecionadas pela avó Beneditina, com quem morava, até os desmedidos contratos de licenças de software pago (coisa que, convenhamos, ninguém nunca leu). Já tinha lido o Houaiss de capa a capa (o Aurélio, três vezes) e todas as bulas de remédio da supracitada avó Beneditina, o que era quase uma farmácia inteira.

Era um jovem metódico, às vezes, com uma exagerada prudência que o levava a ter certos temores descomedidos. Mas era mais conhecido por ser um rapaz comunicativo. D’Artagnan procurava transmitir suas ideias com o máximo de emoção. E para isso não economizava recursos. Usava gestos esdrúxulos, emitia grunhidos, saltitava e chegava a soltar arrotos retumbantes – tudo para atingir o zênite da expressividade. Definitivamente, não era um rapaz comum. Era muito mais do que isso.

Era D’Artagnan, o Filósofo.

Estava almoçando no restaurante universitário com Filomeno, seu melhor amigo. “Melhor amigo, não“, diria. “Grande parceiro de porre“.

- Mas a mina nem olha para mim, D’Artagnan.

- Sua neutralidade vive te descoroando. Por que não chega junto?

- Estou planejando isso.

- E vai falar o quê?

- Bom, pensei em chamar ela para tomar um chopinho e…

- Quê??? Quê??? – D’Artagnan o interrompeu, arreganhando as pernas e socando o ar, indignado. – Tá maluco, mano? Quer conquistar a guria com… chopinho? – Ele falou “chopinho” fazendo cara de quem ia vomitar.

Filomeno deu de ombros.

- O que me sugere?

- Filo – D’Artagnan gostava de chamá-lo assim, uma discreta homenagem ao filósofo Filo, de Alexandria –, você precisa entender e contemplar a alma feminina. – D’Artagnan abriu os braços em concha e ficou com as mãos parecendo segurar duas bolas de cristal, frágeis e escorregadias, movimentando os ombros para frente e para trás. – Não a alma feminina como um todo, mas a alma da sua pretendente. Muitas mulheres fingem ser românticas, mas isso é só fachada. Mas eu conheço essa menina. Você se apaixonou pela garota certa. Ela é romântica. Suave. Pura. A musa perfeita para qualquer poeta. E uma garota como a Amanda não vai se apaixonar por um cara que a chama para tomar um chopinho. – Voltou a fazer a cara de prenúncio de vômito.

- Amanda? Que Amanda???

- Como “que Amanda”? A Amanda do terceiro ano.

- Tá maluco, D´Artagnan ? Eu tô falando da Grazi Bico de Urubu.

- A Grazi? A do piercing na goela, que usa minissaia de meio palmo e que tem tatuagem até na sola do pé?

- Essa mesma, oras.

D’Artagnan pensou um pouco, assoviou, deu um tapa na coxa e arrematou:

- Chama a guria para tomar um chopinho.

Publicado em Corrosiva.com