Três horas da tarde na repartição, um calor infernal, no canto da sala um ventilador pequeno, de sentido único lançava um vento quente nos dois funcionários do departamento.
-Calor infernal esse?
-Sim, se não fosse esses malditos cadastramentos do governo, dava pra fechar e correr pro lago!
Um caboclinho, meio constrangido adentra desconfiado, olhando para os lados. Os dois funcionários o examinaram de cima a baixo, chinelo de dedo, os pés sujos e calejados do trabalho no roçado, calça dobrada até as canelas, camisa entre aberta pela falta de alguns botões e chapéu de palha, resmunga baixinho e acanhado, quase que não se ouviu o que disse
- Eu vim pra fazê o cadastro du Guverno!
O funcionário com ar de pouco caso, com superioridade e um forte tom de voz, pergunta desconfiando:
-O Senhor trouxe todos os documentos?
O caboclinho enfia a mão no bolso dianteiro da calça, retirando dela, junto com um pacote de fumo, uma sacola plástica com todos os documentos imaginados e entrega ao funcionário. O rapaz olha para o companheiro de trabalho, com uma risadinha irônica nos lábios, retira uma guia de um bloco, posiciona em uma máquina de escrever e o tilintar das teclas fazia o caboclinho ficar cada vez mais receoso.
Terminada a operação, o funcionário pega o papel, analisa corrigindo, apanha uma caneta e alcança para o pobre diabo a sua frente:
-Assine aqui nesta linha.-apontando a caneta e fazendo um x no local
O caboclinho ainda acanhado:
- O meu nome dotô?
O funcionário esbraveja de forma sarcástica:
- Não infeliz, assina o meu!
- Mas o seu eu não sei dotô!
Cláudio Albano